Como muitas pessoas, fui profundamente afetado pelo que tem acontecido na Amazônia em 2019.
O desmatamento atingiu o dobro dos níveis do ano anterior devido à extração de madeira e aos incêndios, muitos deles provocados deliberadamente para limpar a terra para soja e gado, empurrando a linha vermelha cada vez mais fundo no coração da floresta amazônica.
Os grileiros armados estão deslocando os povos indígenas e matando aqueles que resistem. Até terras legalmente protegidas estão sendo desmatadas e destruídas. É simplesmente terrível. E eu sinto, às vezes, essas ondas de desamparo, como se estivesse assistindo a um acidente de carro em câmera lenta. A dor é tão forte – o que eu faço com ela?
A armadilha do ódio
Eu notei uma armadilha, um desvio dessa energia emocional que finge direcioná-la para a mudança, mas na verdade a neutraliza. A isca da armadilha é o convite: “Pegue essa energia e use-a para odiar alguém. Para culpar alguém. Converta-a em raiva”.
Essa história, essa armadilha de focar na “pessoa má”, transforma raiva saudável em ódio, um desvio que torna qualquer um menos capaz, menos poderoso e menos ativo. A solução que o ódio oferece é lutar com alguém, encontrar um inimigo e entrar em guerra com ele, presumindo que vencer a guerra resolve o problema. Então, colocamos a culpa no Bolsonaro ou nos madeireiros ilegais, nos fazendeiros, no agronegócio, nos consumidores… E, no fim, em nós mesmos.
Certamente, em um nível, essas pessoas são culpadas. Mas quais condições deram origem ao problema? Se nos concentrarmos nos responsáveis mais próximos por esses atos, corremos o risco de cair no padrão cultural geral de atacar o sintoma e ignorar a causa.
O ódio e a culpa desviam a atenção do conjunto de condições que realmente gera o problema: as condições que deram origem a um Bolsonaro; as condições que levam à queima da terra. Isso inclui condições econômicas, como, por exemplo, a austeridade neoliberal e o sistema econômico global baseado em dívida, que, sob o pretexto do “livre comércio”, força países em todo o mundo a acabar com seus recursos naturais para gerar divisas a fim de pagar suas dívidas. A consequente pobreza, desigualdade e colapso social alimentam a raiva popular, que demagogos de direita canalizam habilmente para o nacionalismo e outros ismos, piorando, no fim das contas, as próprias condições que os levaram ao poder. Aqueles que apoiam Bolsonaro (ou mesmo Trump) não são pessoas más. Vê-las como tal é entrar em uma ilusão – a mesma ilusão que aflige esses apoiadores, que atribuem seus problemas a um grupo de pessoas más também.
A desumanização, através da degradação dos habitantes indígenas da floresta, também faz parte das condições que possibilitam a destruição da Amazônia. E essa degradação se estende à floresta em si. Tornar alguém menos do que plenamente humano, através do racismo, do sexismo ou atribuindo-lhe o status de “deplorável”, é a mesma maneira de pensar que não considera a Terra viva, consciente e sagrada, mas simplesmente uma coisa ou um depósito de recursos. Esse sistema de crenças lubrifica as rodas da máquina de derrubar florestas, descartar resíduos e destruir o mundo, mantendo à distância nossa dor e pesar pelo que está perdido. Esse clima psíquico ou ideológico juntamente com o clima econômico e político prepararam o cenário para que aqueles que culpamos desempenhem seu papel.
Se essas condições não mudarem, mesmo que derrubemos Bolsonaro, haverá outro Bolsonaro. Outras pessoas responderão a essa pressão sistêmica para encontrar algo que possam converter em dinheiro (e por que não a Terra, quando ela é apenas uma coisa?)
Quando entendemos as condições profundas, não ficamos limitados a travar uma luta. Essa é uma receita certa para o desespero, porque é impossível uma guerra contra o complexo militar-industrial-agrícola-farmacêutico-ONG-educacional-prisional-industrial. Ele é muito melhor em guerra do que nós. Ele tem o poder. Tem as armas. Tem o dinheiro. Possui a tecnologia de vigilância. Nós não vamos vencer essa guerra.
Eis aqui um plano melhor: em vez de vencer uma guerra, vamos mudar as condições. Todo mundo pode fazer parte disso, porque se as condições são tudo, então qualquer ato de cura também afetará, no fim das contas, a floresta amazônica.
Isso não quer dizer que você não deva fazer algo diretamente em relação à Amazônia. Podemos ajudar as muitas organizações que apoiam a resistência indígena e os ativistas ambientais brasileiros. Aqui estão algumas endossadas, por sua integridade e eficácia, por pessoas em quem confio, algumas trabalhando no campo:
Amazon Watch
Survival International
Amazon Frontlines
Forest Peoples
Imazon
COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira)
IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia)
Instituto Socioambiental
Além disso, vamos considerar os méritos de um boicote a produtos brasileiros, especialmente carne bovina. E tenhamos cuidado, porque um boicote será contraproducente se vier de uma atitude de ódio, punição e segregação do outro. Afinal de contas, não foi exatamente essa a mentalidade que nos trouxe até aqui? O ódio e a desumanização intrínseca a ele ocultam as nuances e encobrem a complexidade. Quem será prejudicado por um boicote? Como é ser um dos milhões de agricultores pobres que apoiam Bolsonaro? O mundo é complexo. Se formos honestos conosco, geralmente não saberemos o que fazer. E essa honestidade é um bom ponto de partida. O ódio e a culpa escondem o não-conhecimento, oferecendo um falso conhecimento e uma ação fácil que não toca a raiz do problema e pode piorá-lo.
Talvez você tenha uma oportunidade de proteger diretamente a Amazônia, um caminho de ação claro. Para muitos, é difícil encontrar algo além de, talvez, dar algum dinheiro, assinar uma petição e seguir em frente como sempre. Daí o sentimento de impotência. É aqui que entra em cena o reconhecimento do “conjunto de condições” mais profundo. Como as condições que levam ao desmatamento e, na verdade, ao ecocídio em todos os lugares, não estão acontecendo apenas no Brasil, qualquer ato de cuidado, de cura ecológica ou social faz parte do mesmo projeto: a cura desta Terra.
Oração em ação
Imagine que você está em sua cama, doente, sofrendo muito, decidindo se vale a pena o esforço de se curar. Ninguém está visitando você. Os médicos e enfermeiros estão lhe insultando e destratando. Em vez de remédio, eles lhe dão veneno. Você pode se curar assim? Provavelmente não. A vontade de viver requer um tipo especial de alimento: a experiência de ser amado, necessário e valorizado.
A Terra está em uma cama, doente, e ela precisa do que qualquer um de nós precisaria. Ela precisa de cuidados em vez de veneno, e precisa saber que é querida. Tudo o que você faz que afirme o desejo de uma Terra viva, e não morta, tudo que está a serviço da vida, todo ato que advém do amor a um lugar, uma pessoa, uma comunidade, tudo isso é uma oração e uma mensagem para Gaia dizendo “Nós amamos você. Nós queremos você. Precisamos de você. Você não está sozinha.”
A oração em ação é mais poderosa do que as palavras, porque aquilo que escuta nossa oração sabe que estamos falando sério, que nossos desejos são sinceros. Suas orações pela Amazônia serão ampliadas quinhentas vezes quando você as canalizar através da câmara de ressonância que é realizar um ato de cuidado fora do comum. Encontre algo fora da sua rotina normal, que represente uma mudança, um sacrifício de uma coisa e um acréscimo de outra. Talvez o sacrifício de um hábito de ficar diante de uma tela e o acréscimo de um jardim. Altere sua vida, e um sinal sutil emana para o mundo, pedindo que ele se alinhe à sua nova escolha.
Nenhum de nós está desamparado. Podemos nos sentir impotentes, enquanto estivermos presos a uma ideologia que diz que alguns atos são importantes e outros não. Mas quando sabemos que um ser sagrado (Deus, espíritos, a própria Terra… você não precisa escolher apenas um!) vê tudo o que fazemos e registra aquele ato como uma oração convocando um futuro alinhado a ele, sabemos que não estamos desamparados. Tudo importa e cada um importa. O desespero só é possível na negação disso.
Note bem: é precisamente a negação disso, a negação de que tudo e todos são importantes, que permitiu a ruína de povos, lugares, águas e florestas ao redor do mundo.
Bem, essa é uma boa filosofia, mas como essas ações remotas realmente ajudarão a terrível situação no Brasil? Não sei, mas confio no princípio da ressonância mórfica que diz: “Uma mudança que acontece em qualquer lugar cria um campo para que a mesma mudança comece a acontecer em todos os lugares”.
A mudança que estou falando é uma mudança de coração. É uma mudança de percepção. É uma mudança em nossa história do mundo que nos orienta sobre o que fazer, quem somos e por que estamos aqui. Imagine o poder do campo morfogenético de uma mudança de coração e uma nova história se espalhando globalmente. Como seria o Brasil então?
Esse é o meu plano. Não sei como especificamente isso vai mudar a situação no Brasil, mas sei que estou aprendendo a confiar nesse princípio causal da ressonância mórfica. Estou aprendendo a confiar no conhecimento inato de que todo ato tem significado cósmico, que nenhum ato é desperdiçado.
Estamos prontos para viver dessa maneira? É uma mentalidade tão diferente daquela que gera desespero e destrói a Terra, tão diferente da perspectiva do eu separado em um mundo de outros, interagindo para fazer a mudança acontecer pela força num universo morto, mecânico, onde nada do que eu faço poderia ser suficiente.
E se o universo não funcionar assim? E se tudo estiver interconectado? E se o eu e o outro nos entrelaçarmos e houver uma conexão íntima entre o que acontece dentro e o que acontece fora?
E se fizermos parte de um universo vivo?
Se assim for, então o desespero é ilógico. Isso não significa que magicamente, de repente, temos um plano para parar o desmatamento na Amazônia, mas podemos seguir um plano além da nossa concepção, à medida que cada passo é oferecido diante de nós. Essa visão é uma função do coração. Quando a mente não sabe como ir do ponto A ao ponto B, pelo menos podemos reconhecer o próximo passo em direção a um destino que o coração sabe que existe. É irracional, porque a mente diz: “Como poderíamos chegar lá? Olhe todos os obstáculos! Olhe os poderes colocados contra nós! É impraticável, ingênuo, irreal”. E isso é simplesmente porque a mente (se ela cresceu na sociedade moderna) foi imersa em uma lógica de separação.
Não que a mente seja inútil, ela precisa apenas ser realinhada à lógica da interconexão, interexistência, ressonância mórfica. Então, mente e coração podem se juntar como aliados.
A bússola do coração
O que estou propondo não é um desvio espiritual com relação ao que está acontecendo no Brasil. Não é um substituto para a ação. É um princípio, uma orientação, que deve basear qualquer ação que possamos tomar. Como chega para você essa lógica da ressonância mórfica, de todo ato ser uma oração, de vivermos em um planeta vivo e amoroso? Pensar dessa maneira o torna mais passivo ou menos? Isso o paralisa? Ou encoraja?
Saiba como reconhecer se uma determinada escolha ajudará a Amazônia. Na sua mente, vá para um local fora do tempo em que você encontre uma das vítimas do desmatamento. Aqui está um ativista ambiental sendo assassinado. Aqui está uma onça faminta cujo habitat se foi. Aqui está uma árvore enorme indo no caminhão para a fábrica de papel. Escolha um. Este ser olha nos seus olhos e diz: “O que você estava fazendo, meu amigo, enquanto eu estava sendo destruído?” Se você puder, olhe em seus olhos enquanto diz: “Eu estava cuidando de um bebê doente” ou “Eu estava dando almoços para pessoas sem-teto” ou “Eu estava protegendo as orcas” ou “Eu estava convertendo um campo morto e envenenado em uma floresta de alimentos através da permacultura”, então a alma desse ser ficará satisfeita com sua resposta, e você também, como se tivesse bloqueado as escavadeiras das madeireiras com seu próprio corpo. Isso porque o serviço a qualquer vida é serviço a toda vida.
O que mantém alguém ancorado nesta consciência de serviço à vida? Para mim são duas coisas. Primeiro, uma comunidade de pessoas que compartilhem o reconhecimento de que estamos aqui para prestar esse serviço. Segundo, a tristeza e a dor que sentimos pela perda de vida e beleza. Essa é outra razão para não morder a isca do ódio: ele é, para a dor, uma saída de escape.
Não estou dizendo que ódio e culpa são errados. Mas que eles exercem um magnetismo dissonante que interfere na agulha da bússola dos nossos corações, fazendo com que aponte na direção dos responsáveis por esses atos, que, na realidade, são apenas os sintomas. Não fique preso nisso. E não caia no desespero. São mentiras que dão um curto-circuito em nosso poder criativo.
Aqui está um conjunto de mantras que estou usando para manter a agulha da minha bússola apontando para um mundo curado. Compartilho-os na esperança de que um ou mais deles soem verdadeiros. Mesmo que esse som seja o de um pequeno sino em meio a uma cacofonia de cinismo, já é o bastante.
– Eu sou vida e estou aqui para servir a vida.
– Eu sei como servir a vida.
– Confio no que me cabe fazer.
– Eu sei que terei a coragem de dar cada passo que surgir.
– O que faço será suficiente, pois me submeto à coordenação de uma inteligência maior que me fala através do meu coração.
– Vou ser colocado onde eu for necessário para me unir melhor à cura total.
– Seres sagrados estão me observando e eu nunca estou sozinho.
– Uma vasta inteligência tece todas as coisas e está aqui agora.
Eu não sou melhor em sustentar esses mantras do que qualquer outra pessoa. Eu dependo de você, porque quanto mais pessoas tocarem cada um desses sinos, mais forte será a ressonância mórfica. Muito obrigado a todos que os tocam. Muito obrigado a todos que agem a partir deles, em uma oração viva. Muito obrigado a cada um de vocês que dá esse passo fora do comum, para que eu possa fazer o mesmo.
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